quinta-feira, 6 de agosto de 2009

deixar ir

Nos 16 anos em que esteve comigo, Cinira protagonizou inúmeros episódios divertidos, outros nem tanto. Mas hoje quero contar de sua despedida. Minha adorável vira-latas estava discretamente surda, ligeiramente banguela e já não enxergava muito bem. Às vezes, estava dormindo tão profundamente que só percebia minha presença quando eu tocava nela, e a pobrezinha tomava sustos enormes por conta disso. Quando começou uma tosse rouca, chamei o veterinário para uma consulta domiciliar. Ele prescreveu um xarope, mas a tosse não passou. Alguns dias depois, ela começou a apresentar dificuldades em comer, pois tossia tanto que a comida voltava. Não teve jeito, ela teve que ir para a clínica. Cinira odiava andar de carro. Que eu me lembre, foi a única vez que ela o fez sem protestos. Precisou ficar no soro, e eu precisei viajar. Quando voltei, dois dias depois, fui visitá-la. Ela se levantou com muito esforço, abanou o rabo para mim e deitou a cabeça em meu joelho. Com os olhos marejados, olhei para o veterinário e ouvi que era preciso deixá-la ir. Abracei minha companheira de tantos anos, dei um beijo em seu focinho e a deixei dormindo. Ela nem me viu sair da sala. Entre lencinhos de papel, ouvi o veterinário explicar que ela não estava doente - nenhum vírus, fungo ou bactéria estava atacando seu corpo - era apenas a idade dando sinal, seus pulmões não conseguiam expelir o líquido e estavam parando de funcionar. Não havia nada a ser feito. Aliás, havia sim: ajudá-la a partir sem se afogar no próprio muco. Fazer com que a ida para o céu dos cachorros fosse mais suave e indolor. E foi assim, suavemente, que deixei Cinira ir embora. Isso não significa que ainda hoje, passados 4 anos, meus olhos não se encham de lágrimas ao ver uma foto sua ou quando me lembro de suas peripécias - que repito, foram muitas! Mas precisamos saber a hora de deixar nossos companheiros cumprirem seu destino. Tudo que é vivo, morre, já disse Suassuna. E a saudade se encarrega de mantê-los sempre vivos em nossas lembranças.

3 comentários:

Cassia disse...

Olá! Que linda e comovente forma de descrever o adeus a um amigo canino... Abs, Cassia

Felina disse...

só quem realmente ama, sem egoísmo se permite reconhecer a dor e aliviá-la, o mesmo fim que desejo para mim quero para meus pequenos, sem dor e sofrimento, apenas com paz. bonita história, lindo gesto de amor.

Pimenta disse...

Vc me tirou lágrimas!!! Linda história.
Lindo texto.
Parabéns.