terça-feira, 11 de março de 2008

Pepita

Uma cadela pequinês*, pretinha de luvas brancas, dengosa e cuimenta. Pepita foi um presente do meu avô para minha mãe, quando ela se casou. Quando eu nasci, ela já tinha quase 2 anos. Praticamente todas as fotos que tenho de quando era um bebê mostram a Pepita também. Ficava por ali, assim, como quem não quer nada, aparecia num cantinho, debaixo do carrinho, atrás da poltrona, aos pés de minha mãe. Para nós, os íntimos, atendia por Pupu.


Pupu dormia dentro de casa. Na cama dos meus pais. Foi a primeira - e única - a ter tal privilégio. Desde que me lembro de alguma coisa da infância, Pepita estava junto. Brincando no quintal, se escondendo das brincadeiras estabanadas debaixo dos móveis. Latia muito pouco, corria comigo pela casa, adorava colo e afagos. Estava sempre cheirosa de sabonete, e seus pêlos pretos brilhavam de um jeito que não é muito comum ver por aí. Ela tinha suas rotinas, e liberdade total para circular pela casa. Nunca se incomodou com o alvoroço de crianças aos finais de semana e férias. As primas e vizinhos estavam sempre por lá, e ela parecia até gostar da confusão. Convivia bem com o cão Boxer que ficava no quintal, o Miró. Às vezes, preferia ir dormir na casinha dele.

Quando fizemos a primeira mudança de casa, Miró ficou com uma amiga da família, pois o novo lar não tinha quintal, apenas uma área de serviço coberta de ladrilhos, onde um cão de seu tamanho não conseguia sequer ficar de pé. Pepita seguiu conosco. Era uma casa térrea, e a garagem coberta era um ótimo local para brincar. Chão liso, fresquinho, com vista para a rua. Um dia a carrocinha passou por ali, eu sentada com Pepita no colo. Um homem desceu com aquele laço pavoroso, e chamou por ela na grade, "tchu, tchu, tchu". Ela foi, latindo e avançando, defendendo seu território. O maldito a pegou e colocou na carrocinha. Apavorada, eu corri ao telefone e liguei para meu pai, em prantos. Ele saiu do trabalho e foi até o canil onde os animais eram recolhidos. Chegou mais de 2 horas antes da carrocinha chegar. Voltou para casa com ela nos braços, e a paz foi restabelecida. Começava ali meu ódio pela carrocinha.

Pouco tempo depois mudamos de casa outra vez. A casa nova tinha um quintal enorme, ao menos para mim, que tinha 6 anos. Pepita passou a dormir lá fora, pois as crises de rinite de meu pai não deixavam mais nem a cadela dormir. Ela ganhou uma casinha, choramingou uns 3 dias, mas acabou se acostumando. Principalmente porque descobriu a poltrona macia na varanda... Pepita era uma cadela especial, de várias maneiras. Ela tinha epilepsia, tomava um remédio diariamente e às vezes, tínhamos que acudir em alguma crise. O procedimento era deitá-la e colocar as mãos sobre sua barriguinha, afagando devagar. Enquanto isso, mamãe lhe colocava um lenço com vinagre no focinho, e logo ela se recuperava.


Nessa nova vizinhança, Pepita se acostumou a passar por entre as grades do portão e deitar-se no passeio na porta de casa, para pegar o sol da tarde. Andava às vezes até a esquina, mas nem atravessava a rua, pois já tinha seus 9 anos, e se cansava facilmente. Alguns pêlos brancos começavam a chamar a atenção em sua pelagem preta. Já estava velhinha. Novo quintal, novo cão. Meu pai trouxe um belo filhote de pastor alemão capa preta, dócil e brincalhão. Lipe reinava no quintal, e Pepita fugia de suas bricadeiras. Ele crescia rápido, e tinha muita energia. Ela não tinha mais a mesma disposição, e por vezes, se impacientava e lhe dava umas mordidas. Ele nem se importava e continuava brincando. Estabeleceu-se uma "divisão de território" imposta por meus pais: Lipe ficava com o quintal e Pepita com a varanda e sua poltrona.


A vida seguia seu curso: eu entrei na escola primária do bairro, minha irmã no jardim de infância. Os primos e vizinhos continuavam frequentando assiduamente nossa casa, que tinha mais espaço para as brincadeiras. Um dia acordamos e... cadê Pepita? Procura daqui, dali, nos cantinhos onde ela ficava, e nada. Fomos para a rua e nada, nem sinal dela. Chamamos os amigos e vizinhos, ninguém a viu. Percorremos o bairro até a noite e nenhuma notícia. Das semanas seguintes, tenho lembranças em slow motion. Cartazes em todas as padarias, vendas, bares e salões de beleza do bairro. Anúncios (pagos) nos classificados do jornal. Telefonemas que se revelavam trotes. Minha mãe sem conseguir comer, mal conseguia falar. Só chorava. E assim foi um mês, depois outro e outro... Terminei o primeiro ano primário e mudei de escola. O Lipe foi doado à um conhecido do meu pai. Quando os últimos cartazes e anúncios foram retirados das redondezas, apareceu um garoto na porta de casa com um pequeno filhote, preto de luvas brancas, bem peludinho. Era macho. E foi meu primeiro cachorrinho. Na mesma semana, meu avô deu um outro filhote macho e peludo para minha irmã. E um tempo depois, próximo ao meu aniversário, uma tia me deu um filhote de pequinês, que eu só poderia buscar em 2 meses.


Ocupadas as crianças em cuidar de seus novos filhotes, minha mãe ainda chorou por muito tempo o sumiço da Pepita. Mas nos ensinava a cuidar dos novos cãezinhos, dois vira-latas fofos, e o quintal de casa voltou a ser território de correria e latidos. O outro filhote de pequinês que ganhei da tia? Ah, ainda vai aparecer muito por aqui...

*Nas décadas de 70 e 80, os cães pequineses eram uma "moda", ao menos em Belo Horizonte. Muita gente criava os cãezinhos pequenos e peludos, com fama de barulhentos e mal-humorados. Eram comuns os cruzamentos consanguíneos e o resultado era que muitos filhotes apresentavam doenças congênitas. A raça acabou sendo esquecida, e era raro encontrar alguém que tivesse um cachorrinho desses nos últimos anos da década de 80. Atualmente, parece haver um certo interesse dos criadores, mas nada que se compare ao modismo do Shi-tzu ou Lhasa-Apso, por exemplo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sério que o cara roubou o "dog"? Tá de sacanagem... vai ter gente ruim no mundo na...